ARTIGOS

Egoísmo é Ignorância


"Asa de morcego, pele de cobra. Foi só isso que aprendeu Morgana, fazer poções e pequenas maldades?"

Este é o início do primeiro diálogo da cena 28 de Excalibur, versão cinematográfica do clássico medieval "A Morte de Arthur", de Sir Thomas Malory, falecido em 1471.

Muito mais atual do que gostaríamos, o mesmo triste julgamento que Merlin faz de Morgana, nesta versão cristianizada de mitos ainda mais antigos, faço eu, Taliesin, versão original de Merlin, ao observar representantes de grupos autodenominados bruxos exaltando os benefícios pessoais da prática da bruxaria.

Façam isto para aquilo, cultuem A para conseguir B, ofereçam tais e tais agrados a determinados seres incorpóreos e recebam deles maravilhosos brindes!!! Um verdadeiro show de oportunidades.

Parece que estamos assistindo a uma propaganda de TV.

Bem, talvez não seja de TV... Mas que não é o caminho bruxo, disso tenho certeza.

Não há diferença significativa, senão para pior, entre discursos de barganha como esses e o determinismo científico ou mesmo a pregação cristã, que apresenta a salvação eterna como recompensa e o sofrimento eterno como castigo. Chegamos a ouvir da boca de algumas pessoas travestidas de bruxos e bruxas palavras e expressões que vibram no mesmo diapasão das de pastores evangélicos, como, por exemplo, "contribuição", "culto", "bem e mal", "A Deusa enxerga dentro de seu coração e Ela vai saber", "oferendas"... A meu ver, uma antiga contradança de ameaça com negociata.

Bruxos fazem magia, mas não é a magia que faz de alguém um bruxo; nem, tampouco, nos prostramos humildes aos pés dos Deuses buscando covarde e egoisticamente suas graças. Convivemos com as Deidades e se temos algo a lhes pedir, pois bem, pedimos. Mas não é nem o interesse no lucro nem o medo do poder divino o que move um bruxo. Estar entre os Deuses já não nos seria o bastante?

Ainda assim, somos bruxos porque somos, porque este é o nosso caminho. Ser bruxo não é deter um determinado conhecimento sobre a Arte, ser bruxo é ser humano e ao mesmo tempo reconhecer e buscar ocupar seu lugar no Todo; é dançar a Dança da Deusa, pura e simplesmente seguir o curso que lhe é reservado, cumprir o destino pessoal, descobrir-se parte de um contexto imensamente, incomensuravelmente maior que os interesses pessoais; viver como humano, mas buscar sempre uma harmonia entre sua existência e o Cosmo; aceitar ser engolido, acolhido pela Terra para dela fazer parte. Ser bruxo é deixar se desfazer no ar; caminhar sobre as brasas; flutuar sobre as ondas e se banhar sob as cachoeiras.

Porém, conforme afirma um ditado chinês, "há pessoas que pescam peixes, e outras que só turvam a água." Reúnem multidões cada vez maiores e ali multiplicam sua ignorância; ao invés de se colocarem a serviço do Todo, buscam se apropriar de suas partes. Roubam "contribuições", vendem "ordenações" e, a preços módicos, negociam seus feitiços, oferecendo assim a seus concorrentes, outros conhecedores de rudimentos da Arte igualmente ignorantes, material mais que suficiente para lhes causarem malefícios por motivos igualmente mesquinhos.

Mas, o que fazer?

É um fato que pedra pomes flutua na água e, segundo um ditado japonês, "quando as pedras nadam, as folhas afundam."

Mas que bruxo é esse que cita sabedoria oriental ao invés dos "cânones" neo-pagãos?

É um bruxo que vê a si mesmo de algum ponto inexistente, ponto este que se encontra fora do multiverso, e dali enxerga universos, clusteres, galáxias, sistemas e um planeta Terra sem as fronteiras criadas por elucubrações maquiavélicas.

No seguimento anterior à passagem de Excalibur citada no início deste artigo, Merlin abandona Arthur à sua própria sorte no auge de sua crise. Em suas palavras, lhe diz que a Era dos Deuses se foi, e que a Era do Homem se iniciava. No seguimento posterior, Merlin se vê subjugado e imobilizado por Morgana.

Hoje os tempos são outros, a Era do Homem, caracterizada pelo determinismo, materialismo, individualismo, oportunismo, apropriação da natureza e dos homens que dela aparentemente deixaram de fazer parte, a verdadeira Era do Egoísmo e da acumulação de riquezas chega ao fim de seu curso. O modelo se esgotou, a crise abraça o globo, a natureza responde às agressões... É hora dos bruxos e bruxas ressurgirem, porque o destino dos Homens está próximo a se cumprir.