ARTIGOS

Caridade às Avessas


Tão valorizada e elogiada nas mais diversas religiões, a caridade, quando dada a quem pede costumeiramente, pode ter conseqüências diametralmente opostas a o que se espera. Ao invés de dar fim ao suplício alheio, realimenta o processo e o mantém por meses, anos, vidas, gerações.

Quem ainda não se deparou com um pedinte ou um vendedor que apela para sua caridade, alguém que pede ou vende alegando estar passando por dificuldades e sofrimento, sempre se apresentando como uma vítima das circunstâncias?

Racionalmente, diríamos apenas: O que tenho com isso? Se não posso afastar o sofrimento dos milhões de miseráveis que passam diante de meus olhos, por que eu ajudaria qualquer deles em especial? E se eu der o que me pedem hoje, o que será do amanhã? Continuarão pedindo e pedindo? Mas ao ver outra pessoa em situação difícil, a solidariedade que muitos julgam sublime às vezes emerge dentro do ser humano e, cheios de compaixão, muitos atendem ao pedido.

Entretanto, ao invés de tal doação encerrar o problema, o pedinte recebe o que lhe é dado e imediatamente depois bate à porta vizinha, repetindo suas lamúrias. Se nada ganha, maldiz o "insensível" e politicamente incorreto que se reservou o direito de se negar a contribuir com a mendicância.

Se por um lado o senso comum já considera óbvio que mais vale ensinar a plantar do que entregar o grão colhido, venho chamar a atenção para o prejuízo que os pedintes causam a si mesmos e a quem pedem ao repetirem suas queixas por horas e horas e horas, por se acharem sempre vítimas, não buscando uma solução efetiva para suas respectivas condições e por cultivarem e espalharem a tristeza e o ódio.

Pactue com a doação a quem não busca soluções, empreste seus ouvidos a queixas e onde pensa que poderá chegar?

O mundo tem a cor dos pensamentos de quem o vê; rosa para o apaixonado, vermelho para o irritado e cinza escuro para o deprimido, dentre muitas outras cores e matizes e seus sentimentos relacionados. Alimente seu pensamento e seu coração com o sofrimento e não conseguirá se desvencilhar dele; dê ouvidos a lamúrias costumeiramente e estará dando um impulso para que sua vida se torne sem cor, triste e problemática como a dos que lhe pedem.

Por milhares de anos as mais diversas religiões vêm pregando a caridade, mas vejam o que fez a caridade sem critérios: criou multidões que passam seus problemas adiante, tornando-os problemas de todos, diluindo sua responsabilidade e cruzando os braços para qualquer atitude construtiva, multidões de coitadinhos que sempre serão coitadinhos, porque é assim que se sentem e é assim que esperam ser tratados. E nesta verdadeira epidemia que é a profissão da miséria, contamos mulheres com obesidade mórbida pedindo comida, jovens bem mais fortes que nós pedindo dinheiro e crianças das mais diversas idades pedindo balas.

Isto é necessidade?

Não, isto é uma doença perpetuada pelas "boas ações" impensadas.