ARTIGOS

Bruxos, Magos e a Essência da Bruxaria


Sempre soube que bruxos e magos são como azeite e vinagre, mesmo quando juntos, jamais se misturam, mas a chave deste mistério só me foi entregue quando resolvi escrever para crianças, lhes explicando o que são bruxas e bruxos ancestrais, bem diferentes dos personagens dos contos que povoam suas mentes.

Para falar de bruxos para crianças, tive que ser direto, simples e objetivo, e de tal simplicidade emanou cristalina a natureza da essência da bruxaria original, uma essência escandalosamente incompatível com o dogma mais fundamental da Alta Magia (prática dos magos), um dogma que se encontra também incrustado na lógica e na ética da civilização judaico/cristã.

Em palavras simples, magos, judeus e cristãos consideram que o ser humano é "superior" e portanto "mais importante" que os demais seres vivos. Crendo sinceramente nisto, religiosos e ateus se irmanam na apropriação de vidas em seu benefício, levando a dor e a morte a rebanhos incontáveis, dizimando florestas e alterando a face do planeta, bem como diversas camadas da atmosfera, como se estivessem apenas consumindo um presente que receberam.

Diante da inexorável resposta de Gaia, alguns levantam o primeiro véu de seus delírios de "ser superior" e se dão conta de que pelo menos precisam da natureza para viver, lançando-se em campanhas ecológicas que tem por mote principal os riscos que o ser humano corre ao não respeitar a natureza.

Magos podem ser entendidos como os ocultistas da tradição judaico/cristã. Suas bases são a cabala judaica e toda a lógica que seguem também se fundamenta no antropocentrismo, na presunção de que o ser humano é o ápice terráqueo da manifestação divina e que, por isso, poderia ou até mesmo deveria comandar tudo o que aqui se passa e existe. Os magos criaram uma categoria de magia para si mesmos, à qual chamaram Alta Magia, e consideraram os bruxos como praticantes da "Baixa Magia", como se alguém dissesse por aí: eu pratico baixa magia!!!

Toda a operação mágica de magos é calcada na crença na superioridade humana, pois o mago controla os elementos e os coloca a seu serviço; escraviza entidades e lhes designa missões; dispõe da natureza visível e invisível conforme considerar conveniente para si ou seu grupo.

Em seu discurso, dizem atuar sob os desígnios divinos, mas na prática parecem considerar a si mesmos como a divindade, e assim a vontade divina se confunde com a vontade do mago.

Ao observar o momento nos céus, os magos pensam em seu potencial de magia; ao conhecer as plantas, pensam em sua utilidade; quando as portas de outros planos de existência se abrem para eles, vão em busca de entidades que lhes possam ser úteis no desempenho de "missões" ou as intimidam por mera diversão.

E o bruxo com isso?

Nada.

Nada porque a base mais fundamental da bruxaria, aquilo que distingue mais claramente o bruxo de todos os demais humanos, incluindo pretensos bruxos enganadores e enganados, é a percepção de que o ser humano é apenas mais um grão de poeira neste imenso cosmos, visível e invisível. E em decorrência disso, se sente um com a natureza, não seu proprietário; observa o caminhar aparente da Lua e do Sol como sinais do Grande Ciclo, não como oportunidades; olha para as plantas com amor, não com ganância; conhece outras entidades com respeito e interesse, não com espírito imperialista.

Talvez não esteja suficientemente claro o que seja "ser um com a natureza" para um bruxo, assim como não deve estar claro o quanto consideramos a natureza sagrada.

Afirmamos tais coisas sem subterfúgios, não achamos que, em meio à natureza, o ser humano mereça papel de destaque ou predominância. A simples pretensão de superioridade ou "papel de gerente" é por si só incompatível com a ideia de integração do homem à natureza. A tão propalada, hipervalorizada inteligência humana não sobreviveu ao teste do tempo (enquanto os dinossauros estiveram no topo da cadeia alimentar por 300 milhões de anos, o homem civilizado não tem mais de 9 mil anos) nem das grandes catástrofes (o último evento catastrófico de escala global foi a explosão do supervulcão Toba, há aproximadamente 60 mil anos). No que concerne aos dados de que podemos dispor, sobre desastres de menor expressão, de deslizamentos de terra no Rio de Janeiro até o tsunami de 2004 no Oceano Índico, animais não humanos tem sido mais eficazes do que nós, com toda nossa tecnologia, em antecipar, se proteger e sobreviver a catástrofes.

Mas perceba que falamos disso para quem não vê como nós apenas para mostrar a falta de sentido em se pretender que os humanos sejam superiores, porque para um bruxo, pouco importa ter poderes ou capacidades, isso não fará de ninguém uma deidade. Somos seres ínfimos assim como qualquer ser vivo. Nossos poderes são ridiculamente patéticos se comparados aos de uma inanimada nuvem de poeira cósmica. Nossos sentidos captam uma faixa de frequência muito inferior à de outros seres vivos e ainda assim se somarmos todos os sentidos extremos de todos os seres vivos, chegaríamos a uma fração desprezível de tudo o que efetivamente nos cerca. O ser humano vive em condições muito restritas de gravidade, temperatura, luminosidade, radiação dependendo de uma atmosfera pateticamente fina se comparada ao diâmetro do planeta Terra. E o próprio planeta Terra, se estivesse um pouco mais próximo do Sol ou um pouco mais distante, se girasse um pouco mais rápido ou um pouco mais devagar, se tivesse um campo magnético um tanto mais fraco, não teria condições de sustentar a vida.

Mas isso não incomoda um bruxo, porque somos parte de tudo isso que nos cerca, e buscamos a harmonia com todas as manifestações da criação. Ao pó retornamos, diz o padre no último adeus. Não se apercebe de que ele ainda é pó, que todos nós somos pó, tudo é pó, ás vezes brilhando ao Sol, ás vezes orvalhado à luz da Lua, mas ainda assim, nada mais somos do que pó.