ARTIGOS

Sol de Inverno

A cada sabate tornamos a observar o ciclo da natureza e nos ajustar a ele, a grossíssimo modo adequamos nosso passo às estações e meias estações. Mas e quando as estações parecem se misturar, estaríamos andando no ritmo errado ou sendo contrários à natureza? Tomemos como exemplo o inverno na tentativa de esclarecer um pouco os fatos.

colheita de bergamota na Terra de Bennu No Rio Grande do Sul o inverno é caracterizado pelo frio e por chuvas contínuas que mantém a umidade do ar elevada, impedindo que a temperatura caia ainda mais. Muita chuva, dias nublados, escuros e curtos é a regra, todavia, é tradição, dos pampas à serra gaúcha, aquilo que chamam de "bergamotear ao Sol", o que significa sentar ao Sol para se aquecer enquanto se come bergamota/mexerica/tangerina. Isso, obviamente, só se tornou uma tradição porque: a) Há dias de céus imensamente azuis no inverno; b) A bergamota amadurece exatamente no inverno.

Então somos forçados a perceber que em meio à escuridão também ponteia a luz e, mesmo quando teoricamente tudo deveria estar hibernando ou em repouso, sempre é o momento de plenitude de algumas espécies.

Estaríamos errados ao celebrar o inverno como uma estação de descanso diante da bem servida colheita de bergamotas? Talvez alguém alegue que no caso das frutas cítricas o tempo de amadurecimento é longo, portanto esta aparente opulência teria origem no outono ou mesmo no verão, não no inverno... Apesar de certos gaúchos afirmarem que os melhores frutos da bergamoteira só surgem após a queda das primeiras geadas, é justo considerar e aceitar que a formação dos frutos prescede em muito a estação invernal. De uma forma ou de outra, será que tudo o que a natureza tem a nos oferecer no inverno é o que cresceu durante as estações anteriores? Estaríamos condenados a, todo inverno e por todo o inverno, comer exclusivamente frutas de longo período de maturação, nozes e conservas em geral, caso não tenhamos acesso a alimentos provenientes de regiões tropicais?

Ora, todo bruxo sabe que na entrada do inverno celebramos justamente a esperança do retorno do Sol, uma vez que a partir do solstício de inverno os dias começam a crescer e as noites a diminuir. O Sol é fraco demais para nos dar o conforto térmico desejado, por outro lado tomamos consciência de que, na normalidade do giro da Roda do Ano, a luz cresce em meio às trevas. Este é o motivo pelo qual a Festa do Inverno se encontra imbuída do sentimento de esperança, renovando as forças para combater o frio e tudo o que ele representa. Mas os rituais e comemorações sabáticos não são mera alegoria, não se trata de pura representação, há efeitos práticos em se comemorar sabates, portanto, andando em sentido inverso, também havemos de localizar o despontar da esperança em meio a espécies não humanas no seio do inverno.

Mesmo sem comprometer a tônica de letargia do inverno, algo cresce lentamente sob a neve para que possa despontar mais tarde. Em nossa realidade climática, sendo rara a queda de neve, o que dirá seu acúmulo, o gelo toma a forma de uma metáfora ou adquire o potencial destrutivo da geada, mas seja como for uma primavera não se faz ao piscar do equinócio. Todo um processo se encontra em andamento antes de uma efetiva mudança de estação.

Onde estão os sinais?

flor de amoreira Após muitos e muitos dias encobertos, com chuva intermitente e amanhecer não evidenciável, surgem céus azuis tão brilhantes que mal podemos encará-los. A temperatura despenca e o Sol de Inverno se apresenta. A gauchada se reúne nos parques para bergamotear e tomar chimarrão. A sensação térmica da baixa temperatura do ar é aplacada pelo abraço dos raios solares.

Sol de Inverno, calor em meio ao frio. Como não seria evidência do processo que culmina na primavera!?

Porém, podemos acompanhar combinações ainda mais inusitadas em terra: a) plantas mais adaptadas ao frio extremo, como ciprestes, ganham espaço justamente nesta época do ano, se beneficiando da luz que surge ao cair das folhas de árvores decíduas e do enfraquecimento das ervas e gramíneas em torno de si, que no frio reduzem seu metabolismo; b) certas frutíferas florescem justamente no inverno.

Dentre as frutíferas que florescem no inverno, cabe destacar as que mais do que apenas florescerem no frio, nescessitam de um determinado número de horas mínimo abaixo de 6°C durante aquela floração para que suas flores se tornem frutos. Este é o caso da amora preta e do mirtilo.

Enfim, o inverno continua sendo o inverno, o frio e o comedimento continuam sendo suas características e guias de nossa caminhada, mas em meio ao gelo há um calor interno em expansão, uma lareira acesa, uma flor tímida que mais uma vez mudará o mundo. Por isso reafirmamos que o mais adequado para o inverno é manter o passo lento, porém, contrastando com ele, um movimento interno crescente, vontade, planejamento, organização, podar os ramos secos para concentrar a seiva naquilo que virá a ser.