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O Perfil de uma Bruxa

Levantar estatísticas sobre o perfil de quem se diz bruxa não ajudaria a distinguir faz de conta de realidade. Por outro lado, pensar como uma bruxa, conforme os preceitos mais fundamentais da bruxaria ancestral, leva qualquer pessoa a agir conforme o padrão descrito a seguir.

Toda Bruxa é Sincera
sinceridade
A bruxaria considera que a mentira abre portas para um universo paralelo regido pela desordem. A palavra falsa ganha vida própria e cria ramificações que se concretizam em consequências imprevisíveis, com o potencial de interferir no destino de quem a ouvir. Mesmo um falso elogio, indiferente à intenção de quem elogia, prejudica a autocrítica do elogiado, e à falta de autocrítica se sucede a estagnação e a decadência. Assim surge a segurança com que astros da TV, cinema, música, futebol, políticos tecnicamente desqualificados ou mesmo filósofos pop propagam opiniões pessoais como se fossem o suprassumo da sabedoria sem o menor constrangimento. Revelando-se multiplicadores de opinião, imaginem o estrago que a bajulação oportunista ou ignorante que recebem não gera à sociedade...

O término de relacionamentos pessoais, situação tão delicada em que os sentimentos costumam se sobrepor à análise racional dos fatos, requer clareza e objetividade máximas, pois ambas as partes avaliarão o sentimento do outro conforme a suavidade ou a rispidez das palavras por ele empregadas. Se a rispidez for excessiva, se criará um inimigo desnecessário; se o tom for muito afetuoso, poderá dar esperanças e assim aprisionar os sentimentos do outro impedindo que ele descarte o infrutífero e busque o promissor.

Bem mais fácil de entender é o potencial de agressões fúteis e mentirosas, mas seja qual for o caso a sinceridade de uma bruxa não é necessariamente criticar ou elogiar abertamente e no mais alto grau de fidelidade a o que pensa sem motivos claros e objetivos, não é necessariamente escancarar o que pensa da gostosa da academia de ginástica ou do chefe com sérias limitações intelectuais. Porém, ninguém jamais verá uma verdadeira bruxa elogiar ou criticar alguém que não mereça aquela crítica ou elogio.

Assim como uma bruxa é sincera com os outros, busca ser sincera também consigo mesma, na medida do conhecimento que tem de si mesma, assumindo tanto seus altos predicados quanto suas limitações, lidando com o que tem de melhor e de pior. Isso é viver na realidade, e só assim poderá transformar-se de forma segura conforme sua vontade, dedicação e esforço.

Esta sinceridade consigo mesma leva a uma outra característica bruxa:
Toda Bruxa é Modesta

modestia
O leigo julga que as bruxas se acham dotadas de poderes sobrenaturais acima do resto da humanidade; aprendizes imaturos e candidatos a coventículos (grupos de bruxas) acreditam piamente que as bruxas são dotadas de poderes inimagináveis, e é exatamente isso o que mais lhes atrai no caminho da bruxaria, mas a realidade é que a única coisa que faz alguém se sentir muito grandioso é a pequenez de sua visão de mundo. Quanto maior o universo de alguém, menor ele se sentirá.

Bruxas não consideram apenas a existência do grupinho que frequentam ou mesmo da sociedade humana, um céu e inferno particulares para o ser humano, animais e plantas para lhe servir, recursos minerais aguardando serem usados por algum humano... O universo da bruxa é muito maior. Para uma bruxa o ser humano é apenas uma espécie em meio a inúmeras outras.

Livres do modelo "imagem e semelhança de Deus" as bruxas consideram o indivíduo humano como alguém tão dependente de tecnologia que é incapaz de distinguir alimento de veneno numa floresta tropical repleta de nutrientes, a ponto de morrer de fome; alguém com o aprendizado tão lento que leva meses para conseguir se locomover; alguém com os sentidos tão limitados que é capaz de pisar em cobras, bater com a cabeça em vespeiros, estar num campo cercado de diversas formas de vida (pássaros, roedores, anfíbios, insetos) e não perceber a existência de nenhuma.

Mas que importância tem isso? Pensa o leitor.

Muito pouca, ainda assim, bem maior que a de sua beleza, seu dinheiro, sua inteligência em criar teorias, sua fama no caso de estar sozinho na floresta.
Não somos usuários, somos parte, e a esfera de influência do ser humano é sentida apenas em nosso planetinha. E responda honestamente: a existência do ser humano faz alguma diferença na mecânica celeste!?

Não!

Então, acham que uma bruxa de verdade, ciente da pequenez da própria espécie à qual pertence, vai se achar muito importante por ter um traseiro mais redondo ou um patrimônio mais polpudo que o do vizinho?

Antes de se sentir irresistível, uma verdadeira bruxa, por mais linda que seja, terá consciência de que: a) sempre haverá alguém mais bela e isso não significa nada; b) toda beleza física é transitória, e isso não significa nada; c) padrões de beleza são culturais e pessoais e isso não significa nada, pois a beleza física não tem valor em si e, embora seja admirável, não se sustenta sozinha; d) quem se julga desejada por todos, além de estar enganada, é a maior vítima da paixão que pensa despertar, ou seja, usa a maior parte de sua energia para chamar a atenção e preservar uma auto imagem que na melhor das hipóteses não poderá sustentar ao longo de toda a vida. Em extremos, esta busca do inatingível acaba levando a pessoa ao ridículo, exagerando seios, glúteos ou outro grupamento muscular, para além dos parâmetros da anatomia humana e com isso perdendo a beleza que efetivamente tem. E a criatura deformada (o que escapa às proporções anatômicas naturais é deformado) imagina que chama a atenção pela beleza...

Não, chama atenção pelo grotesco!!!

Em diferentes graus o mesmo vale para a inteligência e para a sabedoria, para o poder financeiro e político, para a expertise em qualquer profissão ou desempenho esportivo. Sempre houve, há ou haverá alguém mais, sempre teremos um ápice e se seguirá a decadência, além do fato de que para ser excelente em algo, com certeza seremos muito pequenos em muitas outras áreas. Como naquela piada em que a beldade sugere ao prêmio Nobel que se tivessem um filho ele poderia ser lindo como a mãe e inteligente como o pai, e o cientista lhe responde que preferia não correr o risco de que a criança fosse feia como o pai e burra como a mãe.

Aliás, o insucesso do "cruzamento" parece bem mais provável, até porque as características raras são, por óbvio, recessivas...

Quantas pretensas beldades, sumidades, autoridades, unanimidades já não foram consumidas por seu reflexo? Vidas se consumiram assim...

Bruxas de verdade não caem nesta armadilha ao menos por dois motivos: a) se situam de forma mais honesta dentro do contexto; b) têm plena consciência de que tudo é cíclico.

Ao contrário do que os "filósofos" de boutique ou missionários da autoajuda que andam muito na moda ultimamente afirmam, repetir para si mesmo e para todos que você tem muita beleza, dinheiro, inteligência e/ou cultura não traz beleza nem dinheiro, nem inteligência nem cultura. Esta auto hipnose serve apenas para alimentar a frustração quando a realidade se impõe. Meta na cabeça que é linda e vá dar uma cantada num sonho de consumo matrimonial para ver no que dá!!!

Uma bruxa faz uma avaliação sincera de si mesma e sempre relativa, assim estabelece metas factíveis e trabalha para superar suas deficiências.

Toda Bruxa é Independente
independencia
Bruxas são adultas, administram plenamente suas próprias vidas e tomam decisões assumindo todas as responsabilidades por seus atos. Não existe, repito, não existe "bruxa teen". Toda bruxa é senhora de si mesma.

Ainda que respeite a hierarquia e se submeta a regras e convenções coventiculares (dos coventículos, ou seja, grupos bruxos), sociais e profanas, o aprendizado bruxo, assim como qualquer outro, é resultado de uma caminhada solitária, portanto, mesmo com a orientação de um mestre a bruxa deve se responsabilizar por seus passos e a única forma de poder fazê-lo é se mostrando adulta em sua vida privada, ou melhor, em todos os aspectos de sua vida. Não se trata de idade ou posição social, mas de maturidade, e maturidade é algo que muitas vezes não se alcança nem mesmo em idade longeva. Ainda que o ser humano seja gregário, a bruxaria ancestral considera que os vínculos formados numa encarnação não são eternos. Se pensarmos numa longa caminhada, de muitas encarnações, interagindo em inúmeros papéis e em diferentes grupos, locais e condições, percebemos que quem não assume as rédeas de sua própria existência acaba sendo levado aonde quer que a maré histórica se direcione. Bruxas não contam com um "pai eterno", uma divindade que zele por tudo e por todos, e da mesma forma não esperam que alguém, encarnado ou não, lhes resolva a vida. Não esperam os préstimos de papai ou mamãe, de um padrinho, patrão, político, de uma alma caridosa. Mesmo quando contam com sua família e amigos, mesmo que esperem ser cuidados por estes, bruxas não ficam de braços cruzados aguardando que alguém faça por elas ou que alguma coisa caia do céu. Bruxas realizam ou deixam de realizar e assumem a responsabilidade por sua inoperância. Ninguém verá uma verdadeira bruxa que pense que o governo lhe deve algo além do retorno de seus impostos ou qualquer facilidade pelas dificuldades que enfrenta em sua vida particular. Dificuldades são para ser superadas com esforço próprio. Se puder contar com a ajuda de alguém, ótimo, mas a responsabilidade é de quem está desconfortável com sua situação.

Em suma, se alguém se apresenta como bruxa ou você mesma pensa que é uma, estará enganada se não puder responder SIM à simples pergunta: é Sincera, Modesta e Independente?